Exposição “Cerâmica Hermética” reflete busca do homem por identidade Arapiraca
Olhando para trás, é impensável que o homem chegou a escravizar pessoas cujo sangue nas veias era o mesmo.
Neste 2018, celebram-se os 130 anos do fim da escravidão no Brasil – o último país por essas bandas a fazê-lo, graças a heróis anônimos que deram suas vidas diariamente pela liberdade que se vivencia hoje.
Pensando nisso, o arquiteto delmirense radicado em Arapiraca, Rafael Gomes Brandão, idealizou um excêntrico projeto, inaugurado durante a primeira edição da Feira Literária de Arapiraca (Fliara).
A exposição “Cerâmica Hermética” está no salão principal da Casa da Cultura, na Praça Luiz Pereira Lima, no Centro, desde o mês passado e permanece até esta sexta-feira (14) até as 18h, com uma mensagem muito forte: nossas próprias raízes são desconhecidas.
Não apenas no tocante do oculto, mas por desfazimento cultural. A cultura negra por muito tempo foi tida como inferior, estigma carregado junto com todo esse processo escravista e inumano.
Aos poucos, esse cenário vem mudando e é o que explora Rafael com sua sensibilidade semiótica. Como o nome diz, a mostra carrega claras referências ao multi-instrumentista alagoano Hermeto Pascoal.
A inspiração veio da música “Slaves Mass” (em tradução livre, “Missa dos Escravos”), do álbum de mesmo nome lançado em 1976 que deu a ele ainda mais projeção internacional, e da canção “O Ovo”, de sua época na banda Quarteto Novo, lançada em 1967 no debut.
Segundo o arquiteto arapiraquense, na “Slaves Mass”, ele teve o intuito de concretizar a ideia de Hermeto que “homenageou os negros escravizados, bem como os perseguidos e presos políticos que, no Nordeste, eram torturados em troncos de barrigudas, submetidos à dor de seus espinhos robustos pelas ditaduras opressoras de um ontem não muito distante”.
Já em “O Ovo”, Rafael traz um sinônimo de vida, de um ressurgir, renascer, “de novas possibilidades de ser, como também pode simbolizar a transformação da matéria a partir das influências do meio, para o bem ou para o mal”.
“Essa exposição é o fruto de um trabalho a quatro mãos: as da artesã mestra Nilvinha e as minhas. Entre ovos e espinhos, homens engolem outros homens, entidades olham para o futuro e para o passado, pilares étnicos se apoiam. A estética e a mitologia negra arrematam as referências da coleção”, pontua Brandão.
Mestra Nilvinha é natural de Lagoa da Canoa, cidade onde nasceu Hermeto. O intento de Rafael foi tecer esse tecido de sonho e realidade, coincidências e destinos, arte e denúncia, sempre com a busca de identidade (sim, a identidade afro que todos temos em comum) como pano de fundo e tendo a textura da Cerâmica Santa Rita, local onde a artesã dá vida à memória dos que já foram e renascem enquanto metáfora. Enquanto luta.
Texto: Breno Airan;
Foto: Genival Silva;