Novos gestores devem considerar graves impactos da extinção de regime próprio de previdência Administrativa
Ao assumirem seus mandatos é esperado que os novos gestores busquem alternativas que possam viabilizar a gestão municipal. A competência do Legislativo municipal para aprovar a extinção do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) e a transferência dos servidores ativos para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) está entre as decisões que cabem aos novos gestores pelo fato de o Município ser uma unidade federativa autônoma (art. 18 da Constituição Federal de 1988). A Confederação Nacional de Municípios (CNM) destaca publicação da Universidade de Brasília que alerta sobre essa decisão.
Na prática, as leis promulgadas localmente acabam por reproduzir as diretrizes estabelecidas por leis e normativos editados pela Secretaria de Previdência (SPrev) do Ministério da Fazenda e outros órgãos federais, que vinculam todos os entes da federação e são de observância obrigatória por todos os RPPS.
A extinção do RPPS não é obrigatória para o alcance do equilíbrio financeiro e atuarial do regime previdenciário municipal, podendo, antes de tal decisão, serem analisadas outras medidas de equacionamento do déficit atuarial previstas na Portaria 464/2018 e na Emenda Constitucional (EC) 130/2019. Em caso de identificação da inviabilidade de tais medidas e da necessidade de extinguir o regime previdenciário, há de refletir sobre os graves impactos que essa decisão pode trazer tanto para as contas municipais quanto para os servidores que estão vinculados ao RPPS municipal.
Criação de um RPPS
Segundo o artigo Atuação Legislativa na Previdência Municipal, conduzido pelos pesquisadores da Universidade de Brasília, entre as exigências para se constituir uma previdência municipal, está a mudança de regime trabalhista dos servidores de cargo efetivo (de celetista para estatutário), a necessidade de se manter uma unidade gestora própria (fundo, autarquia ou fundação) e uma equipe tecnicamente preparada para gerir e atender aos segurados dos RPPS (servidores ativos, aposentados e pensionistas.
Os pesquisadores também apontam que cabe aos agentes políticos locais considerar os efeitos econômicos e financeiros dessas mudanças nas contas públicas locais além de manter a premissa do equilíbrio financeiro e atuarial do RPPS que vier a ser instituído, sempre que houver a necessidade de ajustar as alíquotas previdenciárias (tanto patronal como dos servidores). Os novos projetos devem ser enviados pelo chefe do Poder Executivo para aprovação pelo Legislativo, requerendo, pois, que os agentes políticos locais estejam permanentemente atualizados sobre a gestão da previdência própria municipal.
Extinção de RPPS
A extinção do RPPS é tarefa complexa, em razão dos fatores envolvidos. De acordo com a superintendente do Instituto de Previdência Municipal (IPM) do Município de Ribeirão Preto (SP), Regina Maria Ricardo, “além de manter os aposentados do RPPS em extinção, os gestores municipais deverão recolher ao INSS (entidade que administra o RGPS) a compensação previdenciária dos servidores que para lá serão migrados, além de perder a receita de contribuição desses servidores, que na prática vem mantendo o pagamento dos servidores já aposentados”. Isso acontece por previsão explícita no artigo 10 da lei 9717/1998, que regula os RPPS, bem como por determinação da Emenda Constitucional (EC) 103/2019, que traz dispositivos sobre a extinção de RPPS.
A superintendente explica que a questão é que quando os gestores olham para seus RPPS observam apenas seu caráter previdenciário, mas esquecem que as regras ali criadas além de caráter constitucional têm caráter de Direito Administrativo, que trata do vínculo dos servidores, que é distinto do vínculo previdenciário. De acordo com a representante do IPM de Ribeirão Preto, acerca disso é notório no Direito Administrativo, que o concurso municipal “fez a lei entre as partes”, o que contribui com que os servidores municipais estatutários permaneçam nessa condição, ou seja, não podem virar celetistas, continuando a fazer jus ao quinquênio, licença prêmio e aposentadoria integral.
No entendimento da superintendente sobre a Emenda Constitucional 103/2020, além das mudanças de regras para os servidores federais, tiveram regras impositivas para os demais servidores e entes federativos, que precisam ser interpretadas à luz hermenêutica jurídica, em que a lei não retroage, nem pode ferir direito adquirido e ato jurídico perfeito. Dessa forma, enquanto o servidor não cumpre os requisitos de sua aposentadoria, ele só tem expectativa de direito e por isso as regras podem mudar durante o curso da contribuição.
Entretanto, seu vínculo administrativo em que se um edital previu que teria como benefício a última remuneração, cumpridas regras constitucionais, a lei não pode revogar, nem mesmo a Constituição Federal por emendas por se tratar de cláusula pétrea. Com isso, uma vez extinto o RPPS, o cálculo do benefício pago pelo RGPS sempre será por média, e em alguns casos teria o fator moderador, fazendo com que o benefício fique menor ou igual à média, mas nunca no valor do último salário.
Essa situação, de acordo com a superintendente, faz com que nas contas municipais sejam assumidas as diferenças entre o salário que o servidor se aposentou na prefeitura e aquele pago pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) que superar o salário mínimo. Ou seja, caberá ao Município assumir as despesas sem as respectivas fontes de receitas, uma vez que elas serão todas vertidas para o INSS.
EC 103/2020
Com a promulgação da EC 103/2020 tem sido observado um preocupante movimento para a extinção dos RPPS sem analisar seus impactos nas contas municipais. Observa-se que a extinção do RPPS é incentivada no artigo 34, mas o mesmo dispositivo deixa claro, entre outros, que o ente federativo que extinguir seu RPPS continuará sendo responsável pela assunção integral da responsabilidade pelo pagamento dos benefícios concedidos durante a vigência do regime extinto, bem como daqueles cujos requisitos já tenham sido implementados antes da sua extinção. Ou seja, além das despesas junto ao RGPS continuam sendo devidos os pagamentos sob a responsabilidade do RPPS.
O parágrafo 15 do artigo 37 da Constituição Federal – criado com a EC 103 – deixa claro que a vedação da complementação seria quando inexistir lei local que implemente a Previdência Complementar no Município. Entretanto – quando extinguir seu regime e trouxer previsão de complementação – essa poderá ser feita. Para a superintendente do IPM de Ribeirão Preto, essa regra não foi editada com intuito de ajudar aos entes que extinguirem RPPS a ficarem isentos da complementação, mas é uma vedação da criação de fundos de pensão para servidores estatutários, como existem os fundos da Petrobras, Correios e outras estatais que podem por fundos próprios pagar a apenas a diferença do teto do INSS.
Ela destaca que em consultas por jurisprudências existem alguns entendimentos de que como não há previdência complementar no ente, não se pode pagar a complementação. No entanto, a EC 103/2019 prevê que a complementação pode ser prevista na lei de extinção do RPPS, não havendo limitação em relação à existência de regime de previdência complementar municipal. Ao reclamarem que seus benefícios ficariam menores no RGPS, o servidor pode argumentar que essa regra não estava prevista em seu contrato e o pagamento da complementação não é uma faculdade ou forma de capitalização. Na verdade, trata-se de uma indenização pela irresponsabilidade de contratar alguém como forma de dar uma garantia e depois tentar retirar-lhe mudando a lei. A EC 103/2020 também estabelece que deve haver a previsão de mecanismo de ressarcimento ou de complementação de benefícios aos que tenham contribuído acima do limite máximo do Regime Geral de Previdência Social e que caberá ao Município efetuar a compensação financeira com o RGPS dos servidores que forem migrados.
Também deve ser considerado que em muitos Municípios uma das parcelas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) já tem sido totalmente retida na fonte pelo governo federal justamente para honrar os compromissos de parcelamentos previdenciários devidos pelo Município ao RGPS. Dessa forma, é importante ficar claro para os gestores municipais o que se está em jogo. A migração do RPPS para o RGPS não é uma decisão trivial. Na maior parte dos casos, só agrava as contas municipais.
Dever de casa
Antes de pensar na extinção do RPPS e de todas as consequências que essa decisão acarreta, a orientação é de que os gestores e agentes políticos municipais conheçam profundamente a situação financeira e atuarial do RPPS do Município, colaborando com a indicação de pessoas que possuam comprovada experiência na pasta. Essa ação deve ser acompanhada do afastamento da ingerência política nas decisões que vierem a ser tomadas e devem ser pautadas tecnicamente.
A gestão do quadro de pessoal do Município também deve ser feita de forma diligente, desde a decisão em realizar concursos públicos até eventuais negociações de aumentos dos salários dos servidores. Essas decisões têm consequências sérias tanto para os limites fiscais a que as contas municipais estão sujeitas quanto na vida dos servidores envolvidos, cuja aposentadoria passa a ser de responsabilidade do Município. Confira a íntegra do artigo.