Do pé ao tronco: casca do coco vira matéria-prima para peças decorativas em Arapiraca Arapiraca
Para artesã, 80% do fruto seco é descartado por fábricas de produtos derivados
Bruno Presado*
“Quando coloco as mãos nas ferramentas para começar a confecção das peças, não quero mais parar. Vou até altas horas da noite. Amo produzir e moldar. Trabalho manual é algo difícil. Tiro o pouco do que iria virar lixo para transformar em arte”. Inspirada, e cheia de determinação, Vaneide Albuquerque – aos 52 anos – não queria mais arriscar. Parou, e pensou. Tentou várias funções ao longo da vida. Nada satisfazia até descobrir o caminho da mina de ouro. Tão valioso e brilhante quanto qualquer quilate. Do pé ao tronco dos coqueiros, a artesã, natural de Arapiraca, deu outro significado a matéria-prima orgânica na construção de peças decorativas. Um desafio para poucos.
“Criativa, sempre fui. Procurei por algo diferente para me inspirar e encontrei um artista, lá no Havaí, que usou o fruto para confeccionar decorações e outros objetos. Dá pra produzir mil e uma coisas a partir desse material”, explica a artesã. Aqui em Alagoas, segundo Vaneide, as fábricas – que produzem produtos derivados do fruto seco – utilizam somente a água e a polpa do coco e colocam a parte da casca, que representa 80% do peso total, para queimar em uma fornalha ou são descartados em aterros sanitários. A fibra demora cerca de dez anos até se decompor totalmente.
A casca é conhecida, intimamente, como “quengo” no dialeto nordestino. Dessa parte, Vaneide traduz o seu amor pelos processos sustentáveis em peças e utensílios domésticos, que vão desde cumbucas, para usos variados, até luminárias. Ela compra o coco no atacado, pelo preço mais barato, e presenteia a “carne” do fruto para parentes ou restaurantes próximos ao seu sítio. “Faço isso há um ano. Ainda procuro a matéria-prima no lixo e, por trabalhar com madeira, as ferramentas são parecidas. Meu marido me ajudou na compra das outras que faltavam”.
A arte está nas mãos da artesã. Para Vaneide, se o mundo olhasse com mais responsabilidade para questão da sustentabilidade, iríamos reduzir a quantidade de resíduos produzidos nos aterros ou centros de processamento. “Tentei outras coisas, longe das artes, e percebi que não era o meu propósito. Isso é o mínimo que pude ajudar a retirar, e vou continuar. É gratificante. O que seria lixo, transformo em arte”.
*Estagiário sob supervisão