Do barro, eu sou: Sil de Capela retrata o cotidiano do interior alagoano em esculturas Capela
Artesã exportou obras para diversas galerias fora do Brasil, como o México, Bélgica, França e Itália.
Bruno Presado | Fotografias: Itawi Albuquerque e Thiago Sobral
Barro. Substantivo masculino. Terra vermelha, amarela ou branca. Direto da natureza. De estradas vicinais, nas áreas rurais, à construção civil. Composto de alumina e sílica para fabricação de telhas e tijolos. Modular, rústico ou para vedação. Definição primitiva de uma palavrinha simples que, nas mãos de Sil, a pequena-grande artesã, de Capela, cativa os desavisados pela delicadeza a cada traço ou contorno. Sem definição, do barro à arte. Atividade milenar antes de Cristo, e prática representativa da cultura popular que inspira gerações a outras gerações.
Maria Luciene da Silva. Ou, simplesmente, Sil. Natural de Cajueiro, a artesã cresceu em meio às plantações de cana-de-açúcar, aos sete ou oito anos, para ajudar na criação dos 11 irmãos mais novos. Era um gole de café, bem apressado, para despertar nas manhãs e partir para semear em canaviais pela Zona da Mata. Agricultora, doméstica e, por vezes, mãe. O destino, tortuoso e cheio de empecilhos, jurava algo para seu caminho. Era uma promessa. Um brilho no fim da estrada, aliás, um artista.
Aos 17 anos, adotou Capela para viver, e deu vida a sua primeira filha. São três, criados com orgulho, Carlos, Andresa e Cristina. Na mudança, Sil, preparada a qualquer desafio, decidiu conhecer uma arte desconhecida, e rústica, com ajuda do mestre João das Alagoas. Era a passagem do milênio. Sem nenhuma influência, apenas com a leveza da imaginação. “Na arte, o maior desafio foi o preconceito das pessoas, logo no começo, por ser um trabalho difícil de fazer. Na época, quando passei a produzir, existiam apenas três artistas, e eram homens: o Mestre, Leonilson, conhecido como Galeguinho, e o Valdemir. Pelo fato de ser mulher, sempre inventavam dificuldades no meu trabalho”, conta a artesã.
Sem imaginar, Sil de Capela voou para longe sem perder o nó que amarra seu amor pela terra. Inquieta e cheia de desejos. Como escreveu a jornalista Naide Nóbrega, no livro biográfico, dedicada a trajetória da artesã: Do barro, eu vim. Do barro, eu sou. “Percebi que tinha sido reconhecida quando meu trabalho começou a sair em revistas, jornais, livros e na televisão. Transportei as obras para fora do Brasil, e elas apareceram em diversas galerias renomadas, como o México, Bélgica, França e Itália”, disse Sil, que foi homenageada no último capitulo da novela A Lei do Amor (2017), da Rede Globo.
Moldar o barro não é coisa fácil. Precisa ter calma. Virtude que não falta na artesã. Na arte, uma identidade única: rostos caricatos, o cotidiano do sertanejo e figuras características do interior. Soma de experiências para levar alma e espirito as obras. Criatividade para poucos. “Me aperfeiçoei com o passar do tempo. Em primeiro lugar, o amor pelo meu trabalho. Em segundo, a dedicação do dia a dia”. Ela não esconde o desejo que os filhos sigam o caminho dos estudos, mas diz que apoia qualquer decisão, afinal, eles “vão escolher o querem ser do futuro”, complementa Sil. Para o mundo, na simplicidade, a artesã deseja o necessário. “Um mundo de paz. Igualdade para todos, principalmente para as mulheres que almejam todos seus sonhos”, finaliza.
Essa e outras histórias de artesãos alagoanos, para o portal da Associação dos Municípios Alagoanos – AMA, são parte da série de reportagens para a Feira dos Municípios Alagoanos – Congresso & Expo, de 20 a 23 de janeiro, no Centro Cultural e de Exposições Ruth Cardoso.