Novo Fundeb: entenda os principais pontos do debate Municípios
Governo, Legislativo e sociedade civil concordam que é preciso ampliar a complementação da União, mas divergem sobre a proporção do aumento e os mecanismos para definir valor mínimo por aluno
Com a apresentação da minuta do substitutivo da PEC 15/15, sobre a renovação do Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação) na Comissão Especial do Fundeb Câmara dos Deputados, o tema está no centro da pauta de educação. A apresentação foi feita pela relatora do texto, deputada Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO).
O fundo, que termina em 2020, é o principal mecanismo de financiamento da educação básica no país, responsável por mais de 40% do investimento na rede pública, em todos os níveis e modalidades.
A proposta da deputada Dorinha vai passar por debate e votação na Comissão Especial e no plenário da Câmara e, depois, será enviada ao Senado. Nesse processo, pode sofrer alterações. Entre os principais pontos do texto estão:
Fundeb permanente: a EC 15/15 transforma o fundo em um mecanismo de financiamento permanente da educação básica, incluído na Constituição Federal.
Complementação da União: aumenta para 15% a complementação mínima da União no primeiro ano de vigência e aumento progressivo de 2,5% ao ano até o teto de 40% em 2031. Hoje a complementação da União é de 10%.
VAAT: adota o VAAT (Valor Aluno Ano Total) como referência de cálculo para distribuição de recursos da complementação da União na faixa acima de 10%. O VAAT leva em conta toda a arrecadação do município ou do estado para definir quais estão aptos a receber a complementação.
CAQ: define que o CAQ (Custo Aluno Qualidade) será a referência para o padrão de qualidade, preconizado no Artigo 211 da Constituição Federal.
Remuneração de professores: aumenta de 60% para 70% a proporção do fundo destinada ao pagamento de profissionais do magistério. Aposentados não entram nesse montante.
Como Funciona
– O Fundeb é um conjunto de “poupanças” das 27 unidades da Federação (os 26 estados e o Distrito Federal). Cada um deposita 20% da arrecadação de impostos vinculados à educação – ou seja, impostos que devem ser destinados à educação, segundo a lei.
– Cada fundo é composto por uma “cesta” de impostos e transferências municipais, estaduais e da União.
– O montante arrecadado em cada Unidade da Federação é dividido automaticamente de acordo com a quantidade de matrículas na educação básica em cada rede municipal e na rede estadual, com base nos dados do ano anterior.
– A cada ano, é definido um VAA (Valor Aluno Ano) mínimo por etapa e modalidade: nenhuma rede pública pode investir menos do que esse valor em cada estudante.
– As Unidades da Federação que não têm arrecadação suficiente para pagar o VAA mínimo, recebem uma complementação da União.
– Atualmente, a complementação da União corresponde a 10% do valor arrecadado pelos estados e Distrito Federal.
Leia mais sobre o Fundeb na publicação “Financiamento da educação básica – Guia de cobertura” da Jeduca.
Reações
Após a divulgação do relatório, o MEC anunciou que não vai apoiar a proposta e que pode enviar um projeto do Executivo ao Congresso. O ministro Weintraub (Educação) defendeu, em entrevista coletiva, que a participação da União passe dos atuais 10% para 15% até 2026, numa progressão de 1 ponto percentual por ano.
Além disso, a proposta apresentada por Dorinha colocou em alerta a área econômica do governo, que diz temer seu impacto negativo sobre as contas públicas, em especial, as projeções de redução de gastos geradas pela reforma da Previdência.
Em contrapartida, o Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) anunciou apoio ao texto de Dorinha, defendendo que a participação da União chegue a 40%.
As dez entidades que integram o Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação divulgaram uma manifestação de apoio público à minuta apresentada pela deputada Dorinha Rezende.
Tramitação e Desafios
Os próximos passos decisivos para a renovação do Fundeb devem acontecer na Câmara. Após passar pela Comissão Especial, onde pode receber emendas, que devem ser votadas individualmente, o texto da deputada Dorinha Seabra segue para o plenário da Câmara, para apreciação dos deputados.
Além do substitutivo da PEC 15/15, existem outras duas PECs que tratam da renovação do fundo no Senado:
– PEC 33/2019, do senador Zequinha Marinho (PSC-TO).
– PEC 65/2019, relatada pelo senador Flavio Arns (Rede-PR).
Em julho, houve uma concertação no Senado para acelerar a tramitação do novo Fundeb, após o entendimento de que o processo está mais avançado na Câmara. Então, os deputados devem votar a PEC do Fundeb enquanto o Senado será a Casa revisora do texto, para depois votar a proposta.
Como o novo Fundeb será votado por meio de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional), não é necessário sanção da Presidência da República para ser aprovado. Porém, é preciso convergência total entre a Câmara e o Senado – ou seja, as duas casas legislativas precisam chegar a um texto comum.
Outro ponto importante é que depois da aprovação da PEC, o novo Fundeb terá de ser regulamentado (definição de como será implementado) por meio de lei.
Em seminário organizado pela Jeduca, a consultora Mariza Abreu ressaltou a importância de uma tramitação rápida da PEC do novo Fundeb, para que a implementação esteja definida até dezembro de 2020. “A passagem do Fundef para o Fundeb foi um processo atropelado. A EC 53, que criou o Fundeb, foi promulgada em 19 de dezembro [de 2006] e o Fundef acabaria no dia 31. Para entrar em vigência em 1º de janeiro, o governo federal teve que editar uma medida provisória”, lembrou Mariza Abreu. “O ideal seria que a gente não passasse por esse aperto”.
Alguns entraves políticos podem interferir na tramitação, afirma Mariza. A reforma tributária é um deles. “Será que o Plenário das duas casas legislativas vai pautar a PEC do Fundeb enquanto estiver priorizando o debate da reforma tributária?”, questionou Mariza. Além disso, se mudar a estrutura tributária, será preciso modificar a “cesta de recursos” do Fundeb.
Complementação da União e equidade em debate
Embora haja grande concordância entre os principais atores do campo educacional de que o Fundeb deve ser permanente e que ele deve ser mais equitativo e redistributivo, não existe consenso sobre o formato e os mecanismos a serem adotados entre os diferentes atores engajados no debate, parlamentares, governo e sociedade civil.
Em agosto, a Jeduca realizou o seminário “Fundeb em debate – Propostas e perspectivas”, em Brasília, no qual foram apresentados os diferentes pontos de vista a respeito do novo Fundeb. Novo Fundeb: entenda os principais pontos do debate
Mediado pelo jornalista Paulo Saldaña, diretor da Jeduca e repórter da Folha, o debate contou com a participação de Caio Callegari, economista e coordenador de projetos do Todos pela Educação; José Marcelino Pinto, professor da USP (Universidade de São Paulo), representante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e da Fineduca (Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação); Mariza Abreu, consultora em educação; e Sylvia Gouveia, representando a Secretaria Executiva do MEC (Ministério da Educação). O evento teve apoio do UniCEUB (Centro Universitário de Brasília) e da OEI (Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura).
O seminário está disponível na íntegra no YouTube da Jeduca.
Confira a seguir os pontos de vista dos participantes, que são, também, aspectos que devem permear o debate sobre a renovação do Fundeb no Congresso e na sociedade.
Complementação da União
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação defende que a União elevasse sua participação para 40%. Segundo cálculos apresentados por Marcelino Rezende no seminário, 4,3 mil municípios com menor Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) seriam beneficiados com esse nível de aumento.
O principal mecanismo no qual a Campanha baseou seu cálculo é o CAQi (Custo Aluno Qualidade Inicial), um indicador que define o quanto deve o investimento inicial ao ano, por aluno da educação básica, para uma educação de qualidade. O valor varia conforme a etapa e modalidade e considera os custos de manutenção de creches, pré-escolas e escolas (tamanho de turma, salários, equipamentos, insumos -biblioteca, quadras, laboratórios etc.). Para 2019, o valor calculado na nota técnica divulgada pela Campanha em junho foi de R$ 7.292.
Entretanto, na mesma nota, a Campanha ressalta que, mesmo esse nível de aumento seria “insuficiente para promover justiça social entre as redes e garantir que todas as escolas públicas do país sejam dignas e preparadas para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”.
“Tem que ampliar o papel da União no financiamento. Não adianta tirar dinheiro de município. Qualquer mudança da regra é para além da atual complementação”, analisou Marcelino Pinto, durante o seminário.
O Todos pela Educação defende o aumento progressivo da participação da União a partir do mínimo de 15% e a mudança do sistema de distribuição desse recurso. O movimento chegou a esse percentual com base em um estudo que correlaciona o investimento por aluno nos municípios e os resultados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) no 5º ano do ensino fundamental. O argumento é que há forte correlação entre gasto e desempenho até o patamar de R$ 4.300 e que, a partir deste limite, a relação já não seria linear.
A complementação vai para os estados mais pobres, mas nestes existem municípios ricos que recebem a complementação. Na outra ponta, municípios pobres de estados ricos (não beneficiados pela complementação) não recebem recursos do governo federal. Então, a proposta do TPE é que a complementação seja distribuída por município, não por estado, como ocorre hoje.
O movimento também defende que a definição de quais municípios devem receber a complementação seja feita conforme a arrecadação total dos municípios usando o VAAT – hoje, o cálculo é feito a partir da “cesta de impostos” que fazem parte do Fundeb e não da arrecadação total, resultado no VAA.
“O Fundeb precisa ser pensado como um mecanismo de equalização fiscal básica. Acima de tudo é isso. O compromisso básico para essa pactuação é avançar no caráter redistributivo do fundo”, analisa Caio Callegari, do Todos pela Educação.
Marcelino, da Campanha, pondera que é preciso “tomar cuidado com o [ente federado] ‘falso rico’. Não dá para fazer uma conta matemática. Ele pode ter um per capita alto, mas quando vou ver a arrecadação total do município, é cerca de R$ 10 milhões – se ele tiver que construir uma creche, ele quebra”.
O MEC concorda com um aumento na complementação da União, mas defende o teto de 15%, aumentando 1% ao ano a partir do patamar atual. Durante o seminário da Jeduca, Sylvia Gouveia afirmou este é um aumento “sustentável” e “viável na conjuntura atual”, definido em conjunto com o Ministério da Economia.
A representante do MEC enfatizou que o aumento deve ser acompanhado da melhoria da distribuição dos recursos do fundo. “De fato, se acredita na necessidade de um aumento de recursos para a educação básica pública. A função supletiva e redistributiva da União em relação ao Fundeb está sendo considerada pelo MEC”, ressaltou ela.
CAQi e VAAT
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação defende que o CAQi seja a referência de cálculo do novo Fundeb, a fim de evitar distorções entre escolas ao estabelecer “condições equitativas de oferta do ensino”. O indicador foi criado pela Campanha e é uma das estratégias da Meta 20 do PNE, como parâmetro de financiamento. Segundo o PNE, o indicador deveria ter sido implementado até 2016, o que ainda não ocorreu.
A Constituição Federal, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e PNE (Plano Nacional de Educação) estabelecem que deve existir um padrão mínimo de qualidade para as instituições de ensino.
“A lógica do CAQi tem tudo a ver com o Fundeb. Ele é o mínimo de que não se pode abrir mão. O grande problema hoje é que não há uma vinculação entre valor mínimo do Fundeb e insumo. O CAQi estabelece essa relação, por isso permite que uma cobrança objetiva por parte da sociedade”. Ele não pode desaparecer nessa discussão – até porque é lei”, ressaltou o representante da Campanha em sua exposição no evento da Jeduca.
A proposta do Todos pela Educação para tornar mais justa e equitativa a distribuição dos recursos da complementação da União é adotar um multiplicador de equalização fiscal, o VAAT (Valor Aluno Ano Total). O VAAT foi apresentado num estudo técnico da Câmara dos Deputados de 2017. Ele considera todas as fontes de arrecadação de um município ou estado para definir a complementação da União. Novo Fundeb: entenda os principais pontos do debate
O Todos pela Educação também defende a identificação dos estudantes mais pobres por meio do Cadastro Único e a redução do número de fatores de ponderação para definir o VAA mínimo por aluno de cada etapa e modalidade (hoje são 19 fatores).
“O ponto central é olhar para o todo do financiamento da educação, e não só para o Fundeb em si. E olhar para o todo é olhar para o conceito de aluno/ano total, o VAAT, que é a soma dos recursos por aluno do Fundeb com as outras receitas vinculadas à educação”, afirmou Caio Callegari durante o debate da Jeduca, apresentando simulações que dão conta de um VAAT de R$ 4.300.
O MEC defende que os mecanismos de distribuição dos recursos da complementação sigam indicadores de qualidade, ainda em discussão. Segundo Sylvia Gouveia, não existe um consenso sobre o que é qualidade e, além disso, faltam dados confiáveis sobre os investimentos dos estados e principalmente dos municípios. “Essa é uma questão bastante frágil – existe muita dificuldade para se obter informações das receitas próprias dessas redes”, pontuou.
Ela citou como exemplo a “falta de compreensão” do Siope (Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação) como instrumento de gestão. O Siope é uma plataforma onde são armazenados dados declarados por governos e prefeituras referentes à aplicação de verbas no ensino público. Novo Fundeb: entenda os principais pontos do debate
Histórico e Importância
O Fundeb foi implantado em janeiro de 2007 para substituir o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), que vigorou entre 1997 e 2006.
O Fundeb é a espinha dorsal do financiamento da educação básica no Brasil. Alguns números dimensionam sua importância:
– Em 2019, o Fundeb movimenta R$ 156,3 bilhões em todo o Brasil, que tem hoje 48,4 milhões de alunos matriculados na educação básica pública.
– Em 2019, a complementação da União é de cerca de R$ 14,3 bilhões.
– O Fundeb é responsável por 45% do que é gasto da creche ao ensino médio, segundo cálculo do Todos pela Educação (dados de 2015). Se for considerado o gasto mínimo com educação definido na Constituição, essa o Fundeb cobre 63% do gasto com educação básica pública.
– Muitas prefeituras, especialmente as de municípios rurais e de pequeno porte, dependem do Fundeb para manter a educação básica. Em cerca de mil delas, o Fundeb garante pelo menos 80% do investimento